Uma abordagem astronômica para questões ambientais

Antônio Rezende Guedes. Professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Juiz de Fora.

A Ciência não passa de um aspecto, ou fragmento, do único produto artificial que a humanidade concebeu até hoje, ou seja, a cultura. Todo o resto, plástico e lixo tóxico inclusive, são meramente combinações de partículas e átomos gerados continuamente, e em vários momentos da gênese cosmológica, portanto, naturais. Mesmo aqueles produzidos em laboratórios, são constituídos de matéria e energia da natureza, oriundos muitas vezes de regiões para além, mas muito além da biosfera, como por exemplo, o interior das estrelas. A ciência não conseguiu se impor, entre os muitos outros aspectos que compõem o vasto espectro de conhecimento diponíveis, em qualquer tempo, na história da civilização. Não houveram governantes, líderes ou ditadores cientistas. No máximo, amantes da ciência, ou homens de conhecimento exerceram o poder, e mesmo assim, foram pouquíssimos. Porém, homens de conhecimento e mesmo cientístas sempre foram conselheiros de poderosos. Desde os xamãs das cavernas, passando pelos sacerdotes e astrólogos imperiais, até os especialistas dos vários ramos e instituições científicas especializadas de hoje que ampliam as fronteiras do espaço, até com novas formas de fazer o comércio e a guerra, dentre centenas de outras atividades para vários fins. E se o auxílio que prestam, é bom ou ruim, não pode ser creditado a ciência enquanto tal, e sim a como a informação fornecida pela ciência está sendo usada. Além disso, é preciso acabar com outro mito. Aquele comumente aceito pela maioria da população, de que o homem de conhecimento é uma pessoa melhor, mais inteligente e capaz, nobre sensível, e mesmo competente para resolver probelmas. Isto não é verdadeiro! Cientistas tem diarréia, sofrem com a inflação, as vezes atrasam suas contas de água e luz, amam, odeiam, temem, usam muito a intuição e crêem no mínimo na ciência. Em meio as atividades cotidianas, nivelam-se com o mais analfabeto dos cidadãos em qualquer lugar, confrontados com o problema de todos nós – A SOBREVIVÊNCIA. E a história tem confimado sobejamente que a melhor chance para sobreviver é o estabelecimento de metas coletivas, desejadas por todos, ou pela grande maioria. O grande problema com o qual nos defrontamos é a nossa capacidade não só de comprometer, mas também de reduzir o planeta a pedaços. Como lidar com este potencial inibindo-o de uma vez por todas?

Se em algum lugar de Universo deveria haver alguma preocupação com a nossa extinção, é exatamente aqui, no Planeta Terra que ela deve ser considerada. O único vestígio da nossa existência da nossa existência que sobrará, é a sonda Voyager, com seu disco de ouro carregado com fragmentos da nossa cultura. Além do Sistema Solar portanto, está a salvo das consequências da estupidez caracteristicamente humana. Para o Cosmos, tanto faz. Catástrofe definitiva para nós, não abalaria minimamente seu eterno destruir e construir caótico, acontecendo a todo momento. seremos mera estatística se alguem houver para anotá-la! Apesar disso, somos constituídos dos mesmos elementos, carbono, cálcio, ferro, silício e todos os outros combinados de infinitas formas. Somos basicamente a mesma máquina orgânica, que produz cultura, e até onde sabemos, o que não é muito, usando o cérebro como peça mais importante no processo. Onde está o fator diferencial aquele que faz um indivíduo mais ou menos capaz e uma nação mais ou menos desenvolvida? Pois bem, este fator é a informação. Alguem poderia argumentar que a alimentação tem precedência, afinal, é com proteína que a máquina é construída. E com lipídios e carboidratos que funciona e é mantida. Mas mesmo a comida depende das informações sobre o ambiente, para ser reconhecida e adotada. O critério seletivo exige opção, a opção por sua vez, depende de julgamento e este, está assentado em informação (investigação).

Mas, onde entra a Astronomia nesta questão? Bem, nós somos, temos sido, e seremos sempre dependentes de informações. O homem contemporâneo constuiu a aldeia global de Mac Luhan, pelas possibilidades da mídia eletrônica e das redes mundias via satélite computadorizadas. No início da história da nossa percepção visual, quando o ancestral abriu os olhos escrutinando a sua volta em busca de informação, foram cometidos vários atos em um só momento. Destacaremos dois, o ato ecológico e o ato astronômico. Começavamos naquele momento uma exploração planetária e descobríamos de imediato o ambiente próximo, onde brilha magestosa a luz da estrela mais próxima, o sol. A história da Astronomia, mesmo antes da própria, pois observar (questionar) o Universo, nasceu com o homem, demonstra claramente o alcance destes eventos combinados. Aprendendo os ciclos e os rítmos da natureza, construimos as nossa civilizações, memo sem saber o quanto não sabemos. E a Astronomia continua sendo a espinha dorsal do conhecimento humano, grande abóbada donde pendem as outras pergunta, cujas respostas modelam a cultura; não havendo porém, pergunta mais abrangente do que a questão do Universo. Exemplos corriqueiros estão na nossa noção e uso do tempo, que enrolamos nos pulsos à moda de Santos Dumont, e com ele medimos o existir, em recorrência ao movimento do Sol, da Lua e de cinco planetas. A única exceção para os nomes dos dias da semana está na língua portuguesa. Antes da agricultura, possível somente pelo aprendizado de alguns ciclos planetários, como o clima; os grupos humanos dependiam mais fortemente das observações permanentes do céu e da natureza circundante. Surgiram as cidades, os estados, as nações. A coleta, produção e uso que fazemos da informação também acompanhou as mudanças. De alguma forma, o contato interativo e direto com a natureza está cada vez mais distante. Dentro de um elevador, uma senhora pode reclamar da chuva que cai sobre a cidade e molha suas vestes, sem perceber que a mesma água salvou a safra de feijão da seca, e este não faltará na sua mesa. O garoto do bairro periférico, não entende a importância do mangue, lá ele semrpe jogou o lixo doméstico toda sua vida, mesmo estando proibido. Na escola e na burocracia é impossível relacionar o consumo excessivo de papel, como fator de pressão sobre os recursos naturais. O que dizer da energia? E da água? Todos utilizamos recursos hídricos como se fossem infinitos, bastando abrir ou fechar torneiras, que ficam a pingar em somatório copioso, apesar das campanhas conscientizadoras que não conseguem conscientizar. Por quê? O que quer que seja necessário à sobrevivência nas cidades, está muito distante daquilo que já usamos e ainda preceisamos usar. No entanto, é nelas que a informação, na sua maioria, é gerada. Além disso, ela é processada e transmitida a partir das escolas, instituições e meios de comunicação, com um traço dominante em prol de um estilo de vida supostamente melhor. Os grandes centros formadores de opinião, como São Paulo, não possuem nem horizontes. O mundo aparece limitado por corredores, ruas e avenidas fechadas por paredões de vários andares. As estrelas, quando aparecem, luzem timidamente, perdidas na feérica iluminação urbana. Não é surpresa, que falte a nossa imagem de mundo, uma visão, uma dimensão ou melhor uma Consciência Planetária. Nos nossos desejos ecológicos, alguns traços aparecem, mas sem a consciência permitida pelas informações necessárias. Estamos falando da visão de mundo preponderante no imaginário das nossas populações! O imaginário é o mix usado pelo homem para julgar e tomar decisões. Ele é feito de emoções, sentimentos e sensações, modelado pela informação que recebe. Portanto, qualquer idéia, grande descoberta ou invenção, ou mesmo fatos que não alcancem o imaginário popular são inúteis para a grande maioria da população. E a ciência tem a informação. Os cientistas pensadores, técnicos, trabalhadores, loucos, poetas, e muito mais, produzem informações, que na sua maioria não estão disponíveis, ou ao alcance do cidadão. Fazer ciência requer julgamento, e simplesmente viver, também. Se nós detemos informações de melhor qualidade e podemos processar em maior quantidade, recai sobre nossos ombros, a obrigação de fertilizar o imaginário popular. As opções de um cidadão, enquanto resultado de julgamento, somente podem ser tomadas dentro dos limites da cultura, seja a de um pesquisador de primeira linha ou de um faminto analfabeto em busca de decisões cotidianas mais acertadas. Assim, não podemos aceitar que fatos e dados, momente os científicos, fiquem encerrados nas torres de marfim ou no eterno circuito fechado das publicações especializadas. E este é o mandamento central da Astronomia popular de Camille Flammarion! Somente o questionamento astronômico ao longo do seu desenvolvimento produziu modelos de Abordagem Planetária completa e eficiente. Se na década de 60 e ao longo de 70, devíamos pensar universalmente e agir localmente, sob a égide de idéias como as de Schumacher no seu “O Negócio é ser pequeno” , amplamente difundido pela O.N.U.; é mister para 90 perceber que o “local” e o “pequeno” assumem dismenções planetárias. A nossa sorte, é que nosso planeta está localizado em uma região pacata e tranquila da Galáxia, onde os magistrais e violentos acontecimentos do Universo não ocorrem.

Poderíamos, sob este aspecto, classificar o nosso nicho cósmico como tedioso. No entanto, a nossa biosfera não está a salvo dos eventos menores que acontecerão por aqui. Em aproximadamente 5 bilhões de anos, a expansão do Sol no seu processo evolutivo, de acordo com a nossa ciência, varrerá da existência a Terra e sua infestação de unidades orgânicas a base de carbono. A não ser que nos aniquilemos antes, pois o potencial destrutivo existe, somos obrigados a desenvolver as viagens espaciais se planejamos um futuro para estas unidades a base de carbono (a raça humana e todo o banco genético associado). Nós detemos uma das mais formidáveis ferramentas produzidas pelo cérebro humano, habilitada a fornecer as molduras e cenários na reversão do status quo – O Conhecimento Astronômico. Sempre de ponta, nas fronteiras do descobrimento, fornece belíssimas imagens do Universo, aqui tratado de forma indistinta da natureza, pois ambos, por definição encerram a totalidade, inclusive tudo aquilo que podemos pensar. Sedutora, a astronomia excita a curiosidade nata do Universo, como se descascasse uma cebola do centro para fora, cutucando atualmente uma casca a mais de 15 bilhões de anos luz de distância. Estas são as referências necessárias para o resgate do velho respeito para com o meio ambiente, a recuperação da sensação de pertencer. É preciso ao cidadão, mais do que saber sobre o Universo, é preciso sentir com toda a força do seu imaginário, que faz parte dele, assim como as estrelas, as galáxias, os planetas, incluindo o nosso, com todas as formas de vida, ciclos e padrões que contém. Esta relação interativa, semelhante àquela experimentada pelo pescador, quando se faz ao mar na sua faina diária, somente será reativada quando imagens de uma minúscula nave viva vagando pelo imenso oceano cósmico foram comuns em nosso imaginário. Com as idéias e os fatos aportados pela Astronomia, a respeito da espaçonave Terra, estamos compreendendo como ela funciona e o que é necessário à sua manutenção. Nossos satélites, e a série de missões científicas da Terra, deslanchadas, e por deslanchar nesta década, estarão destalhando este conhecimento. Antes da expansão solar, poderemos ser atingidos por asteróides, ou núcleos comentários e seus fragmentos ou comprometer totalmente os parâmetros biológicos. A elevação da quantidade de CO na atmosfera, o efeito estufa, as radiações que nos atingem, o ozônio, a magnestofera, as interações gravitacionais, as forças de coriolis, os grandes fluxos de ar e de água; Enfim, estamos a sós; ou a vida, como os planetas, são fenômenos comuns em todo o cosmo? Perguntas, respostas fatos e especulações que carecem de uma macro moldura e de um tratamento que incorpore todas as técnicas do marketing moderno e as tecnologias de comunicação, para atingir e se espalhar pelo imaginário. Somente com a vulgarização maciça da Astronomia poderemos atingir uma Consciência Planetária, resultando numa relação mais propícia com a biosfera existente em GAIA. É uma questão de opção, fazer dela, a nossa tumba ou o nosso destino comum.