Catástrofes: a Terra sobreviverá ?

Paulo Araújo Duarte. Professor de Astronomia do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina.   Out/1999 – pduarte@mbox1.ufsc.br

As cidades paulistas de Campinas e Itabira foram surpreendidas com a queda de duas pedras de gelo, uma em cada lugar, respectivamente nos dias 11 e 15 do mês de julho deste ano. A de Campinas media 0,5 m3 e caiu sobre o telhado do almoxarifado da Mercedes-Benz, abrindo um buraco de quase 3 metros de diâmetro. A de Itabira era um pouco menor e caiu num terreno vazio. Ainda não se tem notícia do resultado final das análises feitas com objetivo de definir a origem do material. Seria gelo formado nas altas camadas de nossa atmosfera? Ou quem sabe nas asas de algum avião? Poderiam ser restos de algum cometa? Independentemente do resultado conclusivo das pesquisas sobre este caso, queremos é introduzir a idéia de que não estamos livres de uma catástrofe que possa ter origem no impacto de um objeto cósmico com a Terra. Em 1994, o cometa Shoemaker-Levy, dividido em vários pedaços, chocou-se com o planeta Júpiter. E se isto tivesse ocorrido com a Terra? O que teria acontecido? Nos últimos meses, a NASA (agência espacial dos EUA) confirmou a descoberta de muitos blocos de gelo penetrando nossa atmosfera superior, os quais estariam se desintegrando ainda em grandes altitudes. As imagens de satélites que mostram tais objetos foram apresentadas em maio deste ano na reunião da União Americana de Geofísica, nos Estados Unidos, por Louis Frank – físico da Universidade de Iowa, o qual estima em seus estudos que um grande número de blocos de gelo, que alguns têm chamado de minicometas, penetra em nossa atmosfera a uma taxa média de 20 por minuto (seriam 10 milhões por ano). Portanto, parece viável admitir-se que a Terra venha a sofrer, de tempos em tempos, o impacto de algum objeto cósmico de grandes dimensões. Em 1849, por exemplo, um grande pedaço de gelo, de mais ou menos 6 metros de diâmetro, caiu em Bulwick – Reino Unido; e na Índia, no final do século 18, caiu um outro que, de tão grande, levou três dias para derreter. Não estamos querendo profetizar o fim do mundo nesta época de virada do milênio, mas refletir sobre a idéia de que catástrofes fazem parte natural desta grande engrenagem cósmica. E a Terra faz parte desta engrenagem como uma peça muito pequena e frágil diante de bilhões, trilhões… de muitas outras. Muitas têm sido as descobertas que nos levam a crer na normalidade das catástrofes cósmicas. Recentemente, tivemos na mídia a notícia de que a NASA tem catalogados cerca de 200 asteróides que cruzam a órbita terrestre regularmente, acreditando alguns cientistas que este número possa chegar a 2 mil. Foi descoberto também um asteróide, que leva o n° 3753, com mais ou menos 5 km de diâmetro, que acompanha o movimento de revolução da Terra em torno do Sol, indo à frente de nosso planeta, aproximando-se e distanciando-se. Uma das hipóteses da origem da Lua, a mais aceita atualmente, diz que nosso satélite formou-se devido à colisão de um outro astro do tamanho de Marte com nosso planeta, isto há mais ou menos 4,5 bilhões de anos. Astrônomos americanos anunciaram há pouco tempo que os anéis de poeira que circulam o planeta Netuno poderiam ser restos de uma de suas luas que teria sido destruída pelo impacto de um grande cometa. E com a ajuda do telescópio Hubble foi vista uma cratera de 450 km de diâmetro no asteróide Vesta, que faz parte do anel de asteróides que fica entre Marte e Júpiter. E é interessante observar que este asteróide tem apenas 525 km de diâmetro. Proporcionalmente, a cratera é enorme, e deve ter sido originada pelo impacto de outros objetos. Hermes, um outro asteróide, passou nas proximidades da Terra no dia 31 de outubro de 1937 (a apenas 780 mil km). O fim do mundo chegou a ser anunciado nesta época. Logo depois, Jorge Assis Valente (1910-1958), compositor baiano, fez a música de carnaval “E o mundo não se acabou”. Outro astro desta natureza chamado Asclepius, que tem 800 metros de diâmetro, passou raspando à Terra no dia 22 de março de 1989: 690 mil km (apenas o dobro da distância Terra-Lua). Na manhã do dia 13 de agosto de 1930, muitas pessoas no oeste do Amazonas, região do rio Curuçá, pensaram que o fim do mundo estava chegando. Bolas de fogo atravessaram o céu e sumiram sob o som de forte trovão. Ondas sísmicas foram registradas em aparelhos de países vizinhos naquele dia. Imagens feitas pelo satélite Landsat e pesquisas “in loco” desenvolvidas por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais a partir da década de 80, além da busca de documentos que comprovem os relatos do frade capuchinho Fedele da Alviano (1885-1956) – que teria publicado uma matéria sobre o fenômeno num jornal do Vaticano em 1° de março de 1931, vêm confirmando este acontecimento. Em 30 de junho de 1908 ocorreu algo semelhante na Rússia, na região do rio Tunguska Médio, sendo que as marcas de destruição são muito mais evidentes que aquelas deixadas no Amazonas. Num raio de mais ou menos 30 km as árvores foram destruídas, sendo que uma claridade tão forte permitia que se lesse na escuridão da noite. Dentre muitas hipóteses para a origem do fenômeno, inclusive queda de nave extraterrestre, a que supõe a queda de um núcleo de cometa tem sido bem aceita. Foi um acontecimento tão extraordinário que até hoje ainda estão sendo feitas pesquisas e há muitas controvérsias quanto à origem do fenômeno. Em 12 de fevereiro de 1947, a Rússia foi sacudida por outro acontecimento semelhante, só que agora na região de Sikhote-Alin, aproximadamente entre Vladivostok e Khabarovsk. Testemunhas oculares disseram que naquela manhã o objeto que rasgava a atmosfera era mais brilhante que o Sol. O fenômeno foi observado num raio de mais ou menos 400 km, tendo sido ouvido também forte barulho. Algumas pessoas entrevistadas pensavam tratar-se de uma bomba atômica dos americanos, pois há pouco tempo atrás havia ocorrido a triste tragédia de Hiroshima. E não podemos esquecer do espetacular impacto de um bólido de mais ou menos 20 km de diâmetro que deve ter levado à extinção os dinossauros e grande parte da vida existente na Terra há 65 milhões de anos atrás. Crateras de impacto têm sido descobertas por toda a superfície terrestre, comprovando que nosso planeta, tal como os demais astros do sistema solar, vem sendo bombardeado periodicamente por meteoróides. Algumas dessas evidências são: Barringer Meteor Crater, no Arizona, Estados Unidos, com 1,186 km de diâmetro e localizada a 35°02’N e 111°01’W; Chicxulub, Península de Yucatan, México, com 300 km de diâmetro e localizada a 21°20’N e 89°30’W – que está relacionada ao bólido de 10 a 20 km de diâmetro responsável pela extinção dos dinossauros e grande parte do biogênero há 65 milhões de anos; Aorounga, no Chade, África, com 17 km de diâmetro e localizada a 19°06’N e 19°15’E; Wolfe Creek, Austrália, com diâmetro de 0,875 km e localizada a 19°18’S e 127°46’E; Roter Kamm, Namíbia Ocidental, na África, com 2,5 km de diâmetro e localizada a 27°46’S e 16°18’E; Mistastin Lake, Canadá, com 28 km de diâmetro e localizada a 55°53’N e 63°18’W; Manicougan, no Quebec, Canadá, com 100 km de diâmetro e localizada a 51°23’N e 68°42’W; Clearwater Lakes, no Quebec, Canadá – são duas crateras, uma com 32 km e a outra com 22 km de diâmetro, localizadas a 56°13’N e 74°30’W; Deep Bay, em Saskatchewan, Canadá, com 13 km de diâmetro e localizada a 56°24’N e 102°59’W; Bosumtwi, em Gana, África, com 10,5 km de diâmetro e localizada a 06°32’N e 01°25’W; Gosses Bluff, Austrália, com 22 km de diâmetro e localizada a 23°50’S e 132°19’E; Kara-Kul, no Tajikistan, com 45 km de diâmetro e localizada a 38°57’N e 73°24’E. Finalizando, podemos dizer que não há nada de extraordinário com as catástrofes pelas quais nosso planeta já passou. Elas fazem parte da rotina do universo. Em 1994, uma equipe de astrônomos da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, verificou evidências de que nossa galáxia, a Via-Láctea, é uma “canibal cósmica”, ou seja, está engolindo e despedaçando outras menores que ela. Portanto, nascimento, vida e morte fazem parte do jogo universal. Está nas mãos do ser humano a proteção e salvação deste nosso pequeno planeta. Vamos torcer para que o homem não se antecipe à natureza e destrua, ele próprio, a sua morada universal.