Mitos e Cultura
Prof. Nílton de Oliveira Cunha.
Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, novembro de 2004.
Mitos são criados para responder às incertezas acerca do inexplicável à luz do senso comum. Na Antiguidade, a Mitologia criou a genealogia e poderes dos deuses (teogonia) e explicava a origem e organização do mundo como resultado de forças sobrenaturais (cosmogonia). Processos naturais (estação do ano, germinação e crescimento das plantas, fenômenos astronômicos e atmosféricos) e eventos sociais e humanos eram atribuídos aos desejos e humores de deuses hedonistas. Embora hoje pareçam histórias infantis ou grosseiras mistificações é certo que tanto pessoa comum como homem de saber cultuavam os deuses em templos suntuosos. Era a cultura a estender sua abrangência além da razão.
Os notáveis filósofos gregos, anteriores à Era Cristã, criam o racionalismo fundado no atomismo. Reduzidos a um arranjo “frio” e mecânico de fragmentos (os átomos), os processos da natureza eram desta vez analisados segundo a lógica mecanicista, livre de valores idealistas e isolada das reações do observador. O objetivo primeiro da ciência era então evidenciar o conteúdo subjacente à experiência, i. e., as relações permanentes dos processos. Visava-se achar o “fio condutor” dos processos a partir de princípios gerais, com vistas a revelar as “leis” que governam o mundo natural. E molda-se a estrutura e funcionamento do intelecto de acordo com a visão mecanicista da realidade. Liberta de certos mitos, mas agora refém do Mecanicismo, a mente humana continua impedida de exercitar sua mais fecunda faculdade: a capacidade de criar para a “totalidade” da vida. Pois, não há Virtude no mecanicismo sem “alma”, e sem Virtude não há Verdade.
Ao findar a Idade Média, despontam as teorias sobre o sistema solar (Copérnico e Kepler), sobre as mecânicas terrestre e celeste (Galileu e Newton). Newton concebe o Universo como um mecanismo perfeito, governado por “leis” lineares, rígidas, imutáveis. O imenso sucesso da física newtoniana influencia outros campos do conhecimento, como as ciências sociais e humanas, que passam a empregar, indevidamente, os métodos fragmentários, mecanicistas, de Bacon e Descartes. As reflexões científicas do século XX revelaram impropriedades no racionalismo de Galileu/Newton: a) Não existem referenciais absolutos; b) Os saltos quânticos dos elétrons são imprevisíveis; c) Processos complexos (não lineares) são marcados pela incerteza. A concepção mecanicista da realidade física, cujas variáveis têm variações sensivelmente regulares, em certo sentido previsíveis, oferece soluções convincentes a uma gama imensa de problemas materiais. Já os processos complexos, de variação irregular, têm caráter holístico, não admitem o mecanicismo nem a cosmovisão ideológica, visionária – um arremedo de imagem da realidade. Não há Verdade na idéia irreal.
Assim, evadimo-nos do real (onde há Verdade) por ser incerto, para buscar no imaginário a falsa certeza dos valores ideais. Igual que dantes, no “panthéon” da Cultura Pós-Moderna cultuam-se os deuses do poder, do ter e do prazer; heróis de guerras e mestres em ideologias. Faz-se apologia de ídolos, ícones, gurus e líderes; cultivam-se o ego (ou personalidade) e o individualismo. Mitologia, Idolatria, Ideologia, Hedonismo são utopias a constituir o cenário fantástico do “circo de ilusões” em que a Cultura mergulha a consciência dos povos, impedindo-os de pensar com independência. Eis a origem dos conflitos e sofrimentos de toda ordem.