Noite de Outono na Ilha de Santa Catarina

Prof. Nílton de Oliveira Cunha*
Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis,  novembro de 2000

O sol acabara de dar o majestoso salto do fim de tarde e mergulhara no horizonte, silente, sem alarde. De repente, acende-se a monumental fogueira, tingindo com seus raios as nuvens brancas e o azul do céu de matizes vários. Desde o vermelho-sangue aos tons violáceos, passando pelo amarelo-ouro brilhante, compunha-se um mosaico deslumbrante. Lentamente, desce a cortina de sombra do ocaso raro anunciando o fim do dia claro. É prenúncio de luar, é hora de sorrir e de sonhar.
No lado oposto, a leste, ao início da noite de horas ansiosamente esperadas, ela sai do banho vespertino envolta em véus vaporosos de nuvens nacaradas. Ante a amenidade da aragem cálida, desnuda por inteiro a face pálida. É o plenilúnio a inundar o céu e a terra com feixes de luz prateada. É a natureza a vibrar na noite enluarada. Olhar voltado para baixo, ela procura os eternos companheiros de tanta noite indormida; poetas e sonhadores, menestréis e seresteiros, reúnem-se de alma enternecida. Enfim, são eles que bem entendem do mistério e fascínio da Musa Encantada. Estão prontos para vaguear, para a lírica caminhada.
Sobre o tapete de veludo escuro ressurgem, uma a uma, as contas cintilantes, a configurar imagens pontilhadas de diamantes. São brincos e colares, figuras lendárias, seres mitológicos, criaturas reais e imaginárias. Então ela embarca na carruagem do Escorpião e, sob o comando de Antares, inicia o percurso seguindo a trilha do carrossel da Eclítica, enquanto sua luz ilumina todos os lugares. Sagitário e Capricórnio acendem os faróis constelados e seguem o cortejo,  sobre os olhares atentos de sonhadores extasiados. Da Eterna Musa esperam receber um sinal de bem-querer de alguém que na hora anseia por perceber mensagem igual também.
Enebriados, músicos e cantadores, em ondas de companheiros notívagos, percorrem becos e vielas rodeados de casarios antigos, sem perder de vista a terna imagem da Musa Prateada em sua viagem. E soltam a voz de cantadores noturnos a cantar melodias conhecidas, que fazem recordar e reviver corações e cabeças encanecidas. Jovens e adultos demoram-se na janela aberta, a sonhar ante as cantigas dolentes da seresta. Até as plantas, umedecidas pelo sereno, parecem gotejar lágrimas de emoção ao ouvir a sonoridade da romântica canção. As ondas do mar correm céleres e se esforçam para do mensageiro lunar chegar mais perto, do seresteiro a levar encanto e vida ao balneário deserto. O vento forte abrandara de vez o elã e irá assim permanecer até o crepúsculo da manhã. Retardam o retorno ao aconchego dos ninhos e saem em revoada os passarinhos, para o deleite na noite encantada.
Alta madrugada, enquanto a cidade dorme, ainda se ouvem sob o magnífico cenário, distantes acordes de uma flauta mágica, de um plangente violão solitário. Então, a Musa Misteriosa esconde-se na nuvem densa, deixando nas mentes um misto de paz e liberdade e nos corações, de alegria e saudade.
*Professor aposentado da UFSC; pós-graduado em filosofia da ciência.