Astronomia medieval: dos druidas à escolástica

João Lupi. Professor de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina

1. O título proposto abrange uma multiplicidade de aspectos ao longo do milênio medieval, pelo que é preciso delimitar o tema. Vamos tratar de astronomia nos seus termos mais genéricos, remetendo para outra oportunidade ou local as questões específicas e  a terminologia da época como paralaxe, nodo, saros etc . A alusão aos druidas é apenas um termo de referência para nos situarmos na cultura celta anterior à Idade Média. E a Escolástica é a referência final, da qual vamos oferecer apenas indicações suficientes para considerar seus estudiosos como receptores de um possível legado europeu pré-romano, eventualmente celta.Entre druidas e escolásticos, assim entendidos como sinalizadores do período ficam os monges cristãos irlandeses dos séculos VI a IX, sobre os quais temos melhores informações. Deles vamos falar como verdadeiros transmissores e criadores de cultura, ou, em termos atuais, agentes de transferência de tecnologia. É preciso ainda chamar a atenção para uma circunstância geográfico-histórico-cultural do arquipélago britânico: a cultura megalítica transmitiu-se de Sul para Norte, da Britânia para a Caledônia e desta para o Norte do Eire; a cultura cristã medieval seguiu o caminho inverso: do Norte do Eire (Ulster)  para a Caledônia (Dal Riada, Sul da Escócia) daqui para o reino do extremo Norte dos anglos (Nortúmbria) e deste para o Sul da Britânia e para o continente. A Nortúmbria será pois na Alta Idade Média um reino ou região politicamente anglo-saxão mas fortemente influenciado pela cultura irlandesa.

2. Perguntar pelos conhecimentos astronômicos dos druidas levanta muitos problemas e dúvidas. (a) Os monumentos megalíticos que se espalham às centenas pelo arquipélago britânico são todos eles “observatórios astronômicos”?  Pois parece que havendo tantas possibilidades de alinhamentos das pedras dessas construções e tanta variedade de fenômenos astronômicos é sempre possível encontrar alguma posição de uma ou mais peças desses monumentos que corresponda a uma posição do Sol, ou da Lua, ou de Sirius sem que fosse para tal preparado pelos seus construtores, mas antes resultado de uma coincidência; mais ainda: é certo que muitas dessas pedras deslizaram ao longo dos séculos, mudando portanto de posição, e o possível alinhamento atual com outras pedras do mesmo monumento não corresponde ao antigo.Nessas dúvidas cabe perguntar: o que é que a população dessa época sabia  acerca dos astros e com que finalidade queriam marcar solstícios e prever eclipses? Para finalidades agrícolas, ou religiosas, ou para ambas? A arqueoastronomia, conjugada com a etnoastronomia e afastando muitas fantasias conclui que há finalidades agrícolas coincidindo com as religiosas na disposição dos megalitos com propósitos astronômicos, mas podem garantir apenas alguns poucos desses alinhamentos como resultado de conhecimentos objetivos. Discutem-se ainda os “macro-alinhamentos” ou longas seqüências de monumentos, alguns do tamanho de meridianos terrestres, entre lugares sagrados. Vale lembrar que quem começou essa verificação na Inglaterra foi Alfred Watkins que em 1925 publicou The Old Straight Track; John Michell  tentou comprovar na Cornualha as teorias de Watkins e publicou The Old Stones of Land’s End. (b) Essas construções megalíticas foram  utilizadas pelos druidas em seus rituais e liturgia? Neste ponto as dúvidas são maiores e nos remetem a dois problemas de fundo, sendo o primeiro a incerteza sobre qual a origem das instituições druídicas. Se a instituição druídica se formou só entre alguns celtas seriam os druidas anteriores aos bretões e portanto teria ela começado entre os construtores megalíticos? Aqui se levanta o segundo problema: houve uma invasão celta que dominou a população anterior? Houve certamente grandes movimentos migratórios celtas, ou invasões: os gauleses invadiram a Itália no início do século IV a.C. e em 387 saqueram Roma; as crônicas de Alexandre Magno relatam que os galatai deslocaram-se para Oriente, passaram pelos macedônios e instalaram-se na Ásia Menor dando origem à Galácia; e em 58 a.C. Júlio César contou 368 mil helvécios e seus aliados que queriam passar da Germânia para a Gália Narbonense. No entanto o arqueólogo galego Andrés Pena Graña (2006, mapa e nota) afirma que nunca houve invasões nem sequer um povo celta, e o arqueólogo irlandês Barry Raftery em Florianópolis (2006)  demonstrou que não há indícios de uma invasão celta na Irlanda. A ser assim, se para Ocidente houve mais transferência e difusão de cultura do que invasão, é mais aceitável que  os druidas possam ter desenvolvido em território bretão e hibérnico (erínico, irlandês) não só os seus conhecimentos de astronomia, recebidos das populações anteriores, mas a própria instituição druídica teria se desenvolvido sobre uma base religiosa da cultura megalítica.

3. Antes de passar à exposição da astronomia medieval precisamos de lembrar algumas circunstâncias e condicionantes.  (A) As revoluções, ou circuitos da Terra em torno do Sol, e da Lua em redor da Terra, são regulares e podem medir-se em tempos ou períodos fixos, porém não são simples: existem inclinações dos eixos de rotação e movimentos periódicos dos astros, que, entre muitos outros fatores tornam essas revoluções variáveis segundo ciclos mais amplos que o anual ou mensal, e portanto os eventos astronômicos como eclipses, passagens de cometas ou chuvas de meteoros acontecem com regularidades de ciclos de muitos meses ou anos, e conseqüentemente seu cálculo é complexo e sua regularidade é imperceptível à observação do povo comum, que os julga anômalos e sujeitos à imprevisível vontade divina. (B) Esta circunstância reforça o caráter religioso das concepções astronômicas e cosmológicas, já de si ligadas a eventos agrícolas e pastoris que invocam a proteção de poderes além dos humanos, fazendo da astronomia uma auxiliar do ritual e da liturgia. (C) A ausência de uma matemática escrita dificulta esses cálculos e obriga a fixá-los por experiência e memória, de alcance limitado, porém estas, quando aprendem a escrita (caso dos celtas que conheciam caracteres gregos ou romanos) evoluem rapidamente através do cálculo ou cômputo. (D) Em compensação a observação dos movimentos dos astros era mais acurada em  épocas passadas, pois pela menor complexidade a civilização se concentrava em povoações reduzidas, permitindo ar mais límpido, menos luminosidade na superfície da Terra, mais disposição e vagar para olhar o céu, e facilitando assim uma observação mais nítida e continuada dos astros.

4. Qual seria o conhecimento dos druidas, em particular dos irlandeses, em matéria de astronomia? A esse respeito as opiniões de autores romanos e gregos se baseiam quase só  no que dissera Possidônio (c.135-50 a.C.) e são muito genéricas. Mas há outras fontes de informação: embora no irlandês moderno toda a terminologia referente à astronomia  seja de origem latina – como astrlaiocht por astrologia, soidíaca por zodíaco etc – na ilha de Man e na Escócia  foi possível encontrar vestígios de termos nativos referentes aos astros;e se não havia, entre os druidas, uma matemática escrita que facilitasse os cálculos, encontraram-se entre galeses e irlandeses contemporâneos jogos tradicionais que implicam uma percepção intuitiva de conjuntos que poderia auxiliar na compreensão e análise de ordenamentos complexos como os do zodíaco. Nada disto porém garante um conhecimento adiantado de astronomia por parte dos druidas; e, confrontando o que se sabe da pré e proto-história com os relatos recolhidos na Idade Média pelos monges podemos apenas concluir que os druidas irlandeses, tal como os bretões, estudavam os movimentos dos astros com finalidades rituais e divinatórias e que tinham pouco interesse na determinação da complexidade desses movimentos. Quanto ao calendário encontrado em Coligny, gaulês do século II d.C., e cuja interpretação é muito discutida, a combinação de conhecimentos celtas com romanos  evidencia mais a romanização dos celtas do que a antiguidade e perfeição das suas ciências de observação. Devemos pois passar aos monges irlandeses sobre os quais temos mais informações seguras.

5. Na Europa continental dos séculos VII e IX encontravam-se monges irlandeses renomados por seus conhecimentos em astronomia,  que frequentemente os próprios diziam serem de origem muito antiga. Um deles, conhecido como Agostinho da Hibérnia (alguma vez confundido com Agostinho de Hipona) escreveu em 660 uma obra intitulada As maravilhas da Sagrada Escritura; nela não se trata explicitamente de astronomia, mas incidentalmente o autor mostra seus conhecimentos ao discutir a questão das águas do dilúvio, pois se alarga na explicação das marés e dos equinócios, revelando noções que não coincidiam com as dos romanos. Isidoro de Sevilha (560-636) leu o texto de Agostinho e o copiou quase à letra; e Isidoro foi lido e estudado por Beda o Venerável.  Também se destacou entre os monges na Europa o bispo-abade de  Salzburgo, Fergal conhecido como Virgílio; com ele trabalhava outro bispo irlandês de nome Dubdachrich,  astrônomo: ambos defendiam idéias tradicionais druídicas, como a existência de um mundo subterrâneo habitado, o mundo antigo dos Tuátha De Danaan; os escritos deles sobre astronomia e cosmografia foram reportados ao papa Zacarias (741-752) por Bonifácio de Crediton, que estava muito escandalizado com essas idéias. Outro monge irlandês que viveu no reino dos francos foi  Dicuil  famoso pelo seu tratado de Geografia, A Medição do orbe Terrestre (825); dele é um tratado de Astronomia em prosa e verso (c.815) menos conhecido, mas cujo manuscrito se conserva em Valenciennes. Porém a maior repercussão do interesse e do ensino dos irlandeses em astronomia deu-se por via indireta, através dos anglos Beda (672-735) e Alcuíno (730-804) . Beda estudou na Nortúmbria com mestres irlandeses, o que lhe possibilitou criticar a astronomia celta na questão (por ele relatada) da data da Páscoa; mas seus diversos tratados sobre astronomia e cálculo foram estudados em toda a Alta Idade Média. Foi porém através de Alcuíno de York (capital da Nortúmbria) que eles atingiram mais influência,  pois Alcuíno foi não só o conselheiro de Carlos Magno como também seu “ministro da educação e cultura” e bibliotecário. Nesses cargos Alcuíno imprimiu à renovação e reestruturação do ensino no reino dos francos e seus domínios uma direção ampla e duradoura, e uma vez que o imperador se interessava muito por astronomia – pelas mesmas razões de Constantino (como adiante se verá): unificação do ritual e da liturgia para a coesão dos súditos –  essa ciência era parte importante do currículo da corte e das escolas. O interesse de Carlos Magno era real, tanto que depois da morte de Alcuíno ele chamou o irlandês Dungal de Bangor ou de São Dinis para discutir com ele os eclipses do Sol. Deve-se porém notar que, se a astronomia irlandesa, diretamente pelos seus mestres no continente,  ou indiretamente através de seus discípulos anglos (mais fiéis a Roma e ao Império e por isso mais influentes) como Beda e Alcuíno, teve repercussão na Europa medieval só o conseguiu porque “encarnou” na astronomia grega e latina que chegava à Europa Central através dos mestres e das obras italianas da época  e da Antiguidade Tardia. Os irlandeses contribuíram com o interesse, o impulso e o estudo, mas o desenvolvimento da astronomia medieval só foi possível através da tradição e do cálculo aritmético e geométrico da tradição clássica. Aliás uma parte dessas obras clássicas, e algumas das mais importantes, só foram traduzidas e estudadas no período escolástico, em parte através de árabes e judeus.

6. A controvérsia sobre a data da Páscoa, pela quantidade de literatura que provocou e que ainda subsiste (embora nem toda publicada) é o melhor “caso” para se poder fixar o que sabemos sobre a astronomia e cosmologia irlandesas na Alta Idade Média, e com certos cuidados retroceder ao período pré-cristão e lançar hipóteses sobre a astronomia  pré e proto-histórica. Logo após o edito de Milão (313) o concílio regional de Arles (314) na Gália afirmou que era conveniente que a Páscoa fosse celebrada na mesma data por todos os cristãos. Essa tendência à uniformidade era reflexo da necessidade de unidade do próprio Império Romano, dilacerado havia tempo por divisões e secessões. Por isso não é de admirar que na convocação do concílio de Nicéia (325)  Constantino tenha dito: “O que poderia ser mais belo do que esse dia de festa, pelo qual recebemos a esperança da imortalidade, seja observado por todos numa mesma ordem e regra certa?” (Eusébio, Vida de  Constantino 3,18, cit. McKluskey 85). É que no século IV havia vários cálculos e calendários em vigor, que continuaram no séc. V; em 444 o Papa Leão discutiu essas discrepâncias com o bispo Pascásio de Lilibraeum, e em 451 voltou ao assunto; quatro anos depois consentiu que, pelo bem da unidade, a Páscoa fosse celebrada, conforme o calendário oriental, em 24 de abril e não a 17 como determinava o romano. Diante dessa dificuldade o Papa pediu a Vitório de Aquitânia que refizesse as tabelas cronológicas para definir as datas; Vitório publicou suas tabelas em 457 baseadas no ciclo de 19 anos, mas não resolvia diversas dúvidas e discrepâncias relativas a outras datas e celebrações religiosas. As tabelas de Vitório foram contestadas durante mais de um século mas  mesmo assim foram adotadas no Ocidente em geral; mais tarde (525) foram corrigidas pelo cálculo de Dionísio o Exíguo, que as combinou com as tabelas de Alexandria evitando alguns erros. Na Irlanda continuavam a preferir o ciclo de 84 anos, e assim em outras partes da cristandade. Quando Columbano emigrou (590)  com seus companheiros de vida monástica de Bangor, no norte da Irlanda,  para o reino dos francos e fundou o mosteiro de Luxeuil, impôs o calendário irlandês à elite dos francos e burguinhões, em contraste com o costume galo-romano. Columbano criticou as tabelas de Vitório e em 603 escreveu a Roma e ao concílio da Gália em Châlons-sur-Saône pedindo que fosse concedido aos seus monges “ que vivem em reclusão e não incomodam ninguém”  celebrar a Páscoa “seguindo o costume dos antepassados” (Cartas 2,5 e 3,2 cit. McKluskey 89). Numa carta ao papa Gregório (PL 80, 261) Columbano diz: “Saiba que os nossos antigos mestres  irlandeses eram filósofos e sapientíssimos em computar e compor cálculos”. Há diversas outras cartas referentes à disputa com Roma em que os irlandeses fazem questão de dizer que seus astrônomos não são em nada inferiores aos de Roma.Devido às negativas de Roma e à  insistência papal o sínodo de Mag Léne na Irlanda em 630 aceitou a unificação da data segundo o costume romano, mas Cumiano e outros resistiram, e no norte da Irlanda, na Escócia e na Nortúmbria, bem como em mosteiros irlandeses no continente, o uso irlandês permanecia em vigor. Alguns anos depois (c.660) os monges de Kildare (SE da Irlanda) reuniram textos tratando  do assunto, onde o interesse dos autores gira em torno da simbologia do Sol e da Lua  mais do que de questões de teoria e de observação astronômica. Essa coletânea parece ter inspirado o autor da Vida de Santa Brígida, o monge Cogitosus, considerado mestre em astronomia. Este é um bom exemplo e demonstração de como o ambiente escolar irlandês a partir do século VI  tinha interesse em estudos de astronomia e deu origem a diversos tratados de introdução ao princípio do computus, ou cálculo, a que às vezes chamavam rimarius (do gaélico rima, número); quase todos esses tratados, com exceção do De Ratione computandi, não estão publicados.

7.O mais conhecido dos intelectuais irlandeses da Alta Idade Média é sem dúvida João Escoto Eriúgena (c.810-c.877), e dele temos claras demonstrações de notáveis conhecimentos de astronomia. Na sua obra principal, sobre A Divisão da Natureza, desenvolve toda uma explicação da harmonia do universo em que a música e a astronomia se encontram e de certo modo se fundem na harmonia das esferas. “ Nos atrevemos a afirmar, diz João, com provas seguras, que a estrutura do conjunto do universo não só nas suas rotações e evoluções, mas nas suas medidas, se rege pelas mesmas proporções da música.” (III, 722, A-C); e por isso, continua, quando a Escritura fala do concerto dos céus está apoiada no fato de que os intervalos entre as estrelas mantêm as mesmas proporções racionais dos diastemas da música”  (ib). Tanto a música como o cosmo se fundam na mesma razão que ordena o universo: o número. Expõe as medidas e proporções da música, com grande erudição, e depois faz o mesmo com as relações entre os astros (III 718 CD). O Eriúgena não só conhece as distâncias entre os planetas mas também o modo como se calculam; explica as divergências entre Eratóstenes e Ptolomeu; descreve os instrumentos de observação, como o gnomon e seus cálculos, conhece os eclipses e as irregularidades das rotações planetárias, discute as medidas astronômicas, discorre sobre a Lua, sua massa e sua órbita, enfim demonstra saber mais astronomia do que a grande maioria de seus contemporâneos. Contudo a astronomia de João  Eriúgena é uma sabedoria mais alegórica do que prática, mas voltada para a Teologia do que para o conhecimento físico do universo e suas leis; ela servia à interpretação da Sagrada Escritura, não à “leitura” do cosmo. Pode-se perguntar, como se tem feito, se o que o Eriúgena sabia tinha aprendido na Irlanda ou no Reino dos Francos onde vivia, mas mesmo nesta hipótese, pouco provável resta a certeza de que foi na Irlanda que ganhou o interesse pela astronomia  e provavelmente aprendeu quase tudo o que expõe. Não é razoável  defender que tantos mestres irlandeses de astronomia na Europa continental tivessem aprendido fora de sua terra natal aquilo que na Europa da época era pouco conhecido. E se essa diferença existia é provável que a tradição druídica tivesse mantido na Irlanda o estudo da astronomia.

8. Com alguns reparos sobre os exageros iniciais já não se duvida hoje  que foram os mestres irlandeses que a partir do século VII  difundiram na Europa o saber que só eles – e os visigodos da  Ibéria com quem mantinham contato – conseguiram conservar nos três a quatro séculos  em que a decadência do Império  Romano e as invasões germânicas destruíram  a vida intelectual do Ocidente. Os irlandeses a reconstruíram, e depois se apagaram diante do renascimento do saber europeu. O que passou da astronomia celta e peculiarmente irlandesa para  as escolas catedrais e para os mosteiros, e mais tarde para as universidades, é  uma pergunta que só pode ser respondida depois de muita investigação, que não foi feita. Vamos apenas colocar dois marcos: João de Hallyfax (Sacrobosco) e Tomás de Aquino. Pouco se sabe desse João a não ser que era inglês da Nortúmbria, lecionou em Paris e seu Tratado da Esfera foi  redigido por volta de 1220; deve ter nascido portanto no final do século XII; dele se sabe ainda que era bom matemático, pois publicou outras obras: Cálculo Eclesiástico, Tratado da composição dos quadrantes simples, e Algarismos; há ainda outras obras de matemática e astronomia  que lhe são atribuídas mas sem certeza. O Tratado de João de Sacrobosco foi estudado durante pelo menos três séculos, foi  traduzido e comentado diversas vezes,  e dele há uma tradução em português, obra do matemático Pedro Nunes (1502-1578) tendo tido relevância  para as técnicas de navegação de alto mar.  De Tomás de Aquino (1225-1274), o maior expoente intelectual da Escolástica, diz Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento (carta particular de 15 de abril de 2007): “ Santo Tomás se interessou sobretudo pelo tipo epistêmico representado pela astronomia, junto com a música (harmônica) ótica e mecânica, que eram as mais conhecidas das disciplinas que aplicavam a matemática (aritmética e geometria)  à matéria sensível, isto é, ao domínio da ciência da natureza ou física.” O interesse de Tomás reside na classificação das ciências: conhece astronomia, mas demonstra apenas o suficiente para organizar seu quadro das ciências em que tudo o que se sabe é submetido à Teologia. Por outro lado não se pode esquecer, diz o Professor, que Tomás comentou o tratado do Céu, de Aristóteles, o que revela um interesse mais específico, e discutiu bastante, em várias obras menores, a questão da astrologia. Pela sua importância e autoridade João e Tomás podem nos servir de guias para perceber que na Escolástica a astronomia se situa a meio caminho entre o medievo e o Renascimento: ainda não é uma ciência moderna, mas já não é um saber alegórico.

9. Apesar da brevidade desta exposição parece possível dela tirar algumas conclusões preliminares que sirvam como hipóteses de pesquisa: 1.ª os monges irlandeses – e seus discípulos anglos da Nortúmbria –  foram o elo de ligação entre os conhecimentos celtas e o florescimento das ciências universitárias do século XIII; 2ª  embora se possam supor traços de conhecimentos desenvolvidos de  astronomia na cultura megalítica e entre os druidas, e de modo geral entre os celtas, certamente o grande avanço desse conhecimento se deu quando a matemática escrita permitiu  a realização de cálculos mais complexos, 3ª o estudo da astronomia entre os celtas e na Idade Média embora tivesse propósitos litúrgicos e rituais não deixou de ter elementos de verdadeira ciência de observação e de exposição metódica racional, e seu saber alegórico e metafórico manteve aceso o interesse e curiosidade para olhar e perscrutar os astros.

Bibliografia sumária

–        CLARKE, H.B. & BRENNAN, Mary. Columbanus and Merovigian Monasticism. Oxford, BAR International Series, 113, 1981. (British Archaeological Reports)

–        DUHEM, Pierre. Le Système du Monde. Histoire des doctrines cosmologiques de Platon a Copernic. Paris, Hermann, 1958, Tome III.

–        GRAÑA, Andrés Pena.Las trebas, “tribus” celtas de Gallaecia e su constitución política. Gallaecia (Santiago de Compostela),25, 2006,371-399.

–        JOHANNES DE SACROBOSCO. Tratado da Esfera. Tradução de Pedro Nunes.São Paulo, UNESP, 1991

–        KRUPP, Edwin C. No rasto de… as antigas astronomias. Trad. Margarida e Eduardo Gomes. Mem Martins, Europa América (1978).

–        McCLUSKEY, Stephen C. Astronomies and  Cultures in Early Medieval Europe. Cambridge U.P., 1998.

Artigos e comunicações onde poderá encontrar-se bibliografia mais ampla e  geral:

–     LUPI, João:

–        A Formação intelectual dos monges irlandeses na Alta Idade Média. Atas do III Encontro Internacional de Estudos medievais, Rio de Janeiro, 1999, Ágora da Ilha, 421-430.

–        A harmonia do mundo segundo João Eriúgena. Dissertatio UFPel, nº11, 2000, 49-57.

–        Os Druidas. Brathair, n.4 (1) 2004, 70-79.

–        Entre Druidas e Monges da Irlanda. I Simpósio de Estudos Celtas e Germânicos, Rio de Janeiro 2004 (a publicar na revista Brathair).

–        A data da Páscoa e o fim as comunidades celtas. Congresso da Comissão Brasileira de Filosofia Medieval, Fortaleza, 2006 (a publicar na revista Brathair).

Carta de Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento (15 de Abril de 2007 às 13h34.48).

Após a introdução e a passagem já citada continua:

“Ele cita várias vezes o modo diferente do astrônomo e do estudioso da natureza (físico) demonstrarem a redondeza da terra. Como é sabido a situação epistêmica destas disciplinas (ciências intermediárias)  serviu a Tomás de inspiração para situar do ponto de vista epistêmico a ‘Sagrada Doutrina’ (ensino ou doutrina cristã) . Um outro tópico de que ele se ocupou referia-se a vários aspectos da astrologia, sobretudo a questão da influência dos astros no mundo sublunar especialmente em relação ao ser humano e às suas ações livres. Se  não me engano, o texto mais completo a respeito se encontra na Suma contra os Gentios, acho que no livro IV. Você encontrará este texto no livro do Frei Carlos Josaphat, “Tomás de Aquino e a nova era do Espírito’, Loyola 1998. Há também pelo menos três opúsculos que dizem respeito a este assunto: ‘Resposta a João de Verselle sobre 43 questões’, ‘Resposta a Frei Basiano de Lode, leitor no convento de São João e São Paulo em Veneza’, ‘As previsões astrológicas’. Quanto às questões epistemológicas, é possível consultar o primeiro capítulo de ‘De Tomás de Aquino a Galileu’, bem como um texto mais resumido que consta do site do programa de estudos pós-graduados em filosofia da  PUC-SP   (http://www.pucsp.br/pos/filosofia): ‘São Tomás e as ciências intermediárias’. Não se esqueça também de que ele comentou o De Coelo de Aristóteles, tendo o comentário ficado incompleto e referindo-se apenas à parte inicial do texto aristotélico”. Carlos Arthur.